sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Pedra de paciência...A delicada condição feminina, em meio a tradição afegã...







Atiq Rahimi é o autor afegão mais prestigiado no momento por excelência, desde a reentrada do mundo afegão dentro do panorama mundial suas atingem uma força que cresce exponencialmente. Aqui no Brasil seu livro mais lembrado é o primeiro, Terra e Cinzas.



Longe de se concentrar nos aspectos políticos e sociais do Afeganistão este livro concentra-se na exploração da mulher dentro da sociedade não só afegã, mas do panorama muçulmano como um todo.

A Pedra-de-paciência, Syngué Sabour, é um lenda narrada pela nossa narradora de uma pedra mágica deixada nos anos de Criação no qual poderia se deixar todos os pecados e confissões nela e quando esta se enchesse explodiria anunciando o fim do mundo. No caso, a pedra constitui uma metáfora da situação em que vive, com o marido em coma, imóvel e semi-morto como fardo que ela tem que carregar, a um primeiro momento ela faz o papel de fiel esposa a risca, rezando todo o dia ao lado de sua cama o que torna o começo do romance até um pouco lento, mas logo mais ela começa em seu fluxo de consciência a largar todas as crenças espirituais e amores que sentia para rever a vida, confessando tudo ao corpo inerte como se fosse uma pedra.



Suas revelações sobre o casamento forçado, a vida conjugal e todos os conflitos que se estabelecem com os soldados que rondam sua casa tornam o livro bem pesado mas muito interessante, deixando um clima para o final, a explosão da pedra, belamente descrita com a genialidade que só os grandes escritores tem.




Primeiro capítulo:



Em algum lugar do Afeganistão ou alhures Um quarto pequeno. Retangular. Sufocante, apesar das paredes claras em tom ciã e das duas cortinas estampadas com motivos representando pássaros migratórios fixados no impulso do voo sobre um céu amarelo e azul. Alguns furos deixam penetrar os raios do sol que vão se deter nas listras desbotadas de um tapete kilim. No fundo do quarto há outra cortina. Verde. Lisa. Ela esconde uma porta desusada. Ou um quarto de despejo. Um quarto vazio. Vazio de enfeites.

Com exceção da parede que separa as duas janelas, onde penduraram um pequeno kandjar e, acima do kandjar, uma foto, a foto de um homem bigodudo.

Talvez ele tenha uns trinta anos. Cabelos cacheados. Rosto quadrado, suspenso entre parênteses por duas costeletas aparadas cuidadosamente.



Seus olhos negros brilham.São pequenos, separados por um nariz de bico de águia. O homem não ri, no entanto tem ares de alguém que contém o riso. Isso lhe dá um semblante estranho, de um homem que, por dentro, zomba de quem o contempla.



A foto é em preto e branco, colorida artesanalmente com matizes insípidos. Diante da foto, ao pé da parede, o mesmo homem, agora com mais idade, está recostado num colchão vermelho colocado diretamente no chão. Vê-se sua barba. Grisalha. Ele emagreceu. Demais. Resta-lhe somente a pele. Pálida. Cheia de rugas. Seu nariz assemelha-se cada vez mais ao bico de uma águia.



Ele continua sem rir. Mas tem ainda aquele estranho semblante zombeteiro. Sua boca está entreaberta. Os olhos, ainda menores, estão enfiados nas órbitas. O olhar, fixado no teto, em algum ponto entre as vigas de madeira escurecidas, apodrecidas. Os braços, inertes, estendidos ao longo do corpo. Sob a pele diáfana, as veias, como vermes estafados, entrelaçam-se aos ossos salientes de sua carcaça. No punho esquerdo ele traz um relógio mecânico e, no anular, uma aliança de ouro. Na parte interna do braço direito, um cateter injeta um líquido incolor proveniente de uma bolsa de plástico suspensa à parede, bem acima de sua cabeça. O resto do corpo está coberto por uma longa camisola azul, bordada na gola e nos punhos.



As pernas, rígidas como duas estacas, estão afundadas sob um lençol branco, sujo. Oscilando ao ritmo da respiração do homem, a mão de uma mulher encontra-se sobre o peito dele, acimado coração. A mulher está sentada. As pernas dobradas e encaixadas no peito. A cabeça mergulhada entre os joelhos. Seus cabelos negros, muito negros, longos, recobrem-lhe os ombros, que balançam seguindo o movimento regular do braço. Com a outra mão, a esquerda, ela segura um longo terço negro, cujas contas vai debulhando com os dedos. Em silêncio. Lentamente. Na mesma cadência em que oscilam seus ombros. Ou na mesma cadência da respiração do homem.

Seu corpo está envolto por um vestido comprido. Púrpura. Ornamentado, nas extremidades das mangas, bem como na barra da saia, por alguns motivos discretos representando espigas e flores de trigo.



Ao alcance da mão, aberto na folha de guarda sobre uma almofada de veludo, um livro, o Corão. Uma garotinha chora. Ela não está no mesmo aposento.Talvez esteja no quarto ao lado. Ou no corredor. A mulher move a cabeça. Fatigada. Afasta-a dos joelhos.



ASSIM COMEÇA ESTA HISTÓRIA FASCINANTE.



BOA LEITURA.







4 comentários:

  1. ... Preocupada, ela faz deslizar delicadamente a mão sob a nuca do homem. Uma sensação, uma angústia provoca um tremor em seu braço. Ela fecha os olhos, aperta os dentes. Inspira profundamente. Dolorosamente. Ela está sofrendo. Ao expirar, ela retira a mão e, sob a fraca luz do candeeiro, examina a ponta de seus dedos trêmulos. Eles estão secos. Ela se ergue para virar o homem de lado. Aproxima o candeeiro da nuca a fim de examinar uma pequena chaga ainda aberta, lívida, esvaziada de sangue, porém ainda não cicatrizada....

    ESTE É UM MOMENTO MUITO EMOCIONANTE DO LIVRO...

    PARA LER, REFLETIR E SE EMOCIONAR...

    UM ABRAÇO A TODOS...

    ResponderExcluir
  2. Oi Zina!Vim conferir as dicas de livros!Um beijo!

    ResponderExcluir
  3. Olá,
    Obrigada, seja sempre bem vinda.
    Adorei o que vi por aqui tambem... mas necessito de mais tempo pra apreciar.
    Esta frase: "
    Para entender o que alguém lê,
    é necessário saber
    como são seus olhos
    e qual é a sua visão de mundo."
    Também se adapta as visões fotográficas que temos... tudo o que vemos além de uma composição física da imagem... e, portanto, a riqueza mental que nelas adicionamos.

    Um abraçooo

    ResponderExcluir
  4. Puxa, vou ter que comprar esse livro, tamanha a sua boa descrição do mesmo. A mulher.... temos mesmo um desconhecido campo dentro de nós. Quem sabe, adentrando nos sentimentos, umas das outras, possamos nos entender melhor.

    ResponderExcluir

As flores...certamente
é a forma que Deus arranjou
de se mostrar a todo instante
em qualquer lugar
a todos os seres do Universo...